18 de nov. de 2016

O dia que pisei em um prego enferrujado

Tinha uns oito anos quando isso aconteceu. Acho que estava passando as férias escolares na casa dos meus avós paternos ou morando com eles. Não me recordo, e não é como se eu quisesse recordar. Meus pais eram separados e, pra eles, morar com meus avós ainda era uma possibilidade, talvez fosse esse o motivo de estar lá naquele dia. Me recordo pouco daquela tardinha, mas lembro que não havia sentido dor parecida desde minha primeira queda de bicicleta sem rodinhas.

Alheia ao que viria, comecei a construir minha casinha: separei pedaços de pau com prego enferrujado dos que estavam sem e dei início a obra. Embora houvesse todo aquele cuidado de separar os materiais perigosos dos usáveis, meu desleixo sempre foi muito aparente e naquela tarde ele esteve em seu apogeu. Dei dois passos pra trás e logo senti uma dorzinha. Fui mancando até a cozinha de casa, tirei o chinelo de moranguinho (eu amava esse chinelo, ele era vermelho e tinha um morango estampado) e vi a machucadura. Jorrava sangue, e toda água que eu colocava em cima pra disfarçar isso era em vão.

O meu prego estava enferrujado e não havia nada que eu pudesse fazer pra que a dor cessasse, pelo menos não sozinha. Decidi, mesmo ferida, sair mancando pela casa a ter que ficar chorando no quintal esperando o socorro vir, àquela altura todos estavam muito ocupados e eu estava longe, dificilmente iriam me ouvir. O sangue mesclava à cor do chinelo, o que fazia o meu disfarce de "nada a aconteceu por aqui" ficar perfeito.

Isso me lembra da primeira vez que gostei de alguém de verdade. Eu estava bem porém dispersa como de costume, e, como o prego entrando no meu pé, senti como se aquela dor fosse a maior que eu sentiria. Mas era exatamente ali que eu desejava estar. Distraídos, somos todos surpreendidos pela dor, o que nos resta é torcer pra que o prego não esteja enferrujado e que ele não cause uma dor mais crítica a ponto de te fazer parar e gemer, no canto de uma parede, como se nunca fosse passar. Naquela tarde, estava crente de que sentiria aquilo pra sempre. Cabeça de criança. À noite, tomei uma vacina contra o tétano e já estava pronta pra outra. Depois daquilo, caí inúmeras vezes, rasguei o joelho e me joguei em uma cerca de arame farpado e não teve como impedir que tudo isso e que outras coisas mais acontecessem. Coloquei remédio e pronto. Levantei.

A dor é vestida de forma comum; estão nas pessoas, nos rostos delas, nas mãos e na mente, algumas sobrepujantes às outras, mas nunca eternas.

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